Peças de um quebra-cabeça jogadas ao chão
Um par de sapatos brogue, bem lustrados
Uma sandália Anabela, bege
Uma calça jeans velha, suja
Um vestido floral, rasgado
Uma camisa de linho amarrotada
Uma fita amarela de cetim
Dois corpos sobrepostos, seminus
Respirações entrecortadas, abafadas
Lágrimas gélidas, rançosas, ciumentas
Uma peça em metal fosco, quente
Mancha púrpura uniforme, também quente
Dois fluxos vitais soçobrando-se pelo ar
Dois sentimentos antagônicos, convergindo-se
Amor e Ódio, juntos até o ocaso da vida
sexta-feira, 29 de junho de 2012
quinta-feira, 7 de junho de 2012
Jornada
Acordou durante a madrugada. O sono era leve. Estava perturbado com as veredas da aleatoriedade, com os caminhos tortuosos que a vida tomara. Achava graça de tudo, pois, desesperadamente, já havia perdido o controle. Das decisões mais banais geravam-se tormentas, verdadeiras hecatombes de conflitos sociais. Queria muito agradar a todos, tragicamente percebera que tal feito era tarefa para além de Hércules e seus doze trabalhos. Suplicara aos deuses que lhe dessem discernimento, perspicácia e tolerância. Porém, nada sabia sobre deuses. Como saber que eram travessos? Que nada mais eram do que criações do fantástico? Como saber que estava só? Como saber que cada passo abriria mil novas possibilidades para outro passo dúbio? Como prever quem se magoaria em cada passo dado? Como saber o que era certo e errado, se a ética e a moral nada mais representavam para seus pares?
Tinha 12 anos. Sonhava com um mundo que seu velho pai narrara. Sonhava com a igualdade, com a fraternidade e com a liberdade. Assim como Darwin, acreditava em evolução, mesmo que sempre soubera que o mundo estava em involução. Já ouvira que a sociedade perdoava criminosos, mas não sonhadores. Até então, passara incólume pelos grilhões da civilidade. Era uma criança. Não como as outras. O que, por si só, era imperdoável. Não foi perdoado, logo, cresceu atordoado, atormentado.
Apático, caiu novamente em sono. Vagava mais uma vez pelo onírico. Sempre só. Paladino de um único propósito.
Acordou ao meio-dia. Já tinha 21 anos. Ébrio. Drogado pela racionalidade. Era um artífice das palavras. Desprezava os sofistas. Sua retorica era apaixonada. Conquistava multidões, semeara dúvida, inquietude nos corações. Levantara motins e piquetes, e, não era um vermelho. Era apenas um baluarte. Bastião de uma era, outrora, dourada. Era rocha, aço. Era um professor, maestro de um réquiem tragicômico. Arauto das verdades ocultas e transcendentes. Era, por si só, um mal necessário.
Irredutível, não se dobrava diante à autoridade imposta. Foi silenciado pela etorfina de um sistema corrupto e vil. Voltou para os Elíseos.
Despertou aos 82 anos. Perdido em flashes de memórias. Em lembranças de tempos não vividos. Tomou um trago. Acendeu seu churchwarden e pegou seu livro de cabeceira, nada mais do que seu diário. Páginas surradas, letras miúdas; agora precisava de óculos. Leu veemente cada frase, cada passagem de cada dia imemorável. Levantou-se, cambaleou até a janela, precisava de ar. Lembrou-se de quem era. Não precisava de mais nada.
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